segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Poema em Linha Reta





Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.


E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.


Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...


Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,


Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?


Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?


Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.



Fernando Pessoa



Paulo Braccini
enfim, é o que tem pra hoje...

8 comentários:

  1. Amei Amei Amei esse texto. ja tinha lido e me esquecido dele como tantos outros de Fernando Pessoa. Mas que bom que há palavras, texto etc que se eternizam e podemos revê-los, tê-los e apreciá-los.

    Errar é humano e quem não erra não é humano, deve ser um ser de outra ordem, galaxia, planeta, enfim um E.T. hahahaha


    As vezes ser o "certo" cansa, penso nisto. Dá licença que vou ali dar uma porrada num indivíduo que me extressa ok?!

    Bjuxxxxxxxx querido

    ResponderExcluir
  2. Amo esse poema,de uma beleza que vem de seu humanismo profundo.E Pessoa é um assombro de poeta.Junto com Drummond os dois maiores da nossa língua.
    Um beijo.Ótima semana.

    ResponderExcluir
  3. e não é assim mesmo Edu ... sabe leio e releio isto inúmeras vezes, cada uma delas tiro minhas lições diferentes mas, confesso, a melhor de todas foi vc q me deu agora ... com licença ... tb vou ali ... dar umas porradas em algumas pessoas que não se cansam de me estressar a vida inteira e eu aceitando passivamente ... aff ...

    bjux querido

    ;-)

    ResponderExcluir
  4. Amigo James é sempre um prazer recebê-lo com toda a sua sensibilidade aqui neste recanto ...

    bjux

    ;-)

    ResponderExcluir
  5. Errar é humano e persistir no erro, dependendo do erro, puta merda é bom abeça!
    Bj.

    ResponderExcluir
  6. Fernando pessoa como sempre maravilhoso e sensível.

    amei!

    ResponderExcluir
  7. Guará vc sempre com suas tiradas ... é vero ... tem erros que cometemos e que persistimos que são MARAVILHOSOS ... rs

    bjux

    ;-)

    ResponderExcluir
  8. Obrigado Fabiano ... Pessoa sempre atual e bem contextualizado ... sensibilidade pura ...

    bjux

    ;-)

    ResponderExcluir

então! obrigado pela visita e apareça mais, sempre teremos emoções para partilhar.

LinkWithin

Blog Widget by LinkWithin