quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Jesus! O Homem Histórico


Capítulo II
Um judeu pobre da Galiléia. Um vilarejo de trabalhadores rurais numa encosta de serra com, no máximo, 400 habitantes. Segundo os arqueólogos, essa é a cidade de Nazaré no tempo em que Jesus nasceu. De tão pequena, a vila praticamente não é citada nos documentos da época. "As escavações arqueológicas na cidade não encontraram nenhuma sinagoga, fortificação, basílica, banho público, ruas pavimentadas, enfim, nenhuma construção importante que datasse do tempo de Jesus", diz o historiador John Dominic Crossan. "Em compensação, foram encontradas pequenas prensas de azeitonas para a fabricação de azeite, prensas de uvas para vinho, cisternas de água, porões para armazenar grãos e outros indícios de uma vida agrária de subsistência."
A casa em que Jesus cresceu devia ser como a de todo camponês pobre da época: chão de terra batida, teto de estrados de madeiras cobertos com palha e muros de pedras empilhadas com barro, lama ou até uma mistura de esterco e palha para fazer o isolamento. Ao entrar na casa, talvez alguém lhe oferecesse água tirada de uma cisterna servida num dos muitos vasilhames de pedra e barro achados pelos arqueólogos na região - a água era preciosa, já que a chuva era escassa. Para comer, a cesta básica era formada por pão, azeitona, azeite e vinho e um pouco de lentilhas refogadas com alguns outros vegetais sazonais, servido às vezes no pão (que você deve conhecer como pão árabe). Com sorte, nozes, frutas, queijo e iogurte eram complementos bem-vindos, além de um peixe salgado vez ou outra. Segundo os arqueólogos, a carne era rara, reservada apenas para celebrações especiais. A maioria dos esqueletos encontrados na região mostra deficiência de ferro e proteínas e sinais de artrite grave. "A mortalidade infantil era alta e a expectativa de vida girava em torno dos 30 anos", diz Crossan. "Só raros privilegiados alcançavam 50 ou 60 anos de idade."
Para garantir o sustento, as famílias precisavam ter um número razoável de filhos que ajudassem no duro trabalho no campo. "É pouco provável que Jesus tenha sido filho único", diz o historiador Gabriele Cornelli. "Assim como um menino de roça que vive em comunidades pobres no interior, ele deve ter crescido cercado de irmãos." Mesmo pesquisadores católicos como o padre John P. Meier, autor dos quatro volumes da série Um Judeu Marginal, sobre o Jesus histórico, dizem que é praticamente insustentável o argumento de que, no Novo Testamento, "irmão" poderia significar "primo". "A palavra grega adelphos, usada para designar irmão, deve ter sido usada no sentido literal", diz Meier. Sua conclusão reforça ainda mais as chances de que o ossário atribuído a São Tiago, irmão de Jesus, possa ser verdadeiro. E quanto à profissão de Jesus? O historiador Gabriele Cornelli diz que, baseado nas parábolas atribuídas a ele, é muito provável que Jesus tenha sido um camponês. "Sua pregação está repleta de imagens detalhadas da vida agrícola", diz Cornelli. "É quase impossível que esse grau de detalhamento possa ter surgido de alguém que não lidava dia a dia no campo. "Mas José não era carpinteiro e seu filho não o teria seguido na profissão?
O professor de Ciências da Religião Pedro Lima Vasconcellos, da PUC de São Paulo, diz que a palavra carpinteiro (tekton) usada no Novo Testamento pode significar também "biscateiro", no sentido de uma classe inferior que faz serviços manuais. "É o que chamamos atualmente do trabalhador pau-pra-toda-obra. "Uma das hipóteses levantadas pelos arqueólogos é de que Jesus pode ter trabalhado no campo e, eventualmente, atuado em algumas obras de construção civil. Os arqueólogos descobriram que, a apenas 6 quilômetros de Nazaré, uma série de novos edifícios em estilo greco-romano estava sendo construída na cidade de Séforis. "É possível que Jesus tenha trabalhado lá", diz Vasconcellos. A construção era apenas uma das várias obras que estavam sendo erguidas por Herodes Antipas, governante da Galiléia no tempo de Jesus. Além das intervenções em Séforis, os edifícios construídos nas cidades de Tiberíades e Cesaréia Marítima (nome dado em homenagem ao imperador Júlio César) tornavam a região cada vez mais parecida com as cidades romanas. "O problema é que todas essas obras representavam um fardo a mais aos camponeses pobres, que já pagavam muitos impostos", diz o historiador Richard Horsley. "Não é à toa que surgiram nesse período vários movimentos populares de contestação ao poder romano, do qual Jesus era mais um representante."
Messias de um novo reino.
Se o rei Herodes Antipas precisasse se candidatar para se manter no poder na Galiléia no tempo de Jesus, seus assessores de marketing o venderiam como o "realizador de grandes obras" e seu slogan provavelmente seria "Herodes faz". No seu governo (4 a.C. a 39 d.C.), enormes palácios foram construídos na Galiléia, muitos deles para abrigar a elite judaica que dominava a imensa massa de judeus pobres na região. O esquema de poder na Galiléia, assim como em outras regiões de Israel, funcionava num sistema de clientela: para reinar, Herodes contava com o apoio dos romanos. Estes, por sua vez, exigiam em troca que ele recolhesse impostos para Roma e se responsabilizasse pela repressão de qualquer movimento de contestação ao poder imperial. Sob essas condições, Roma permitia que os judeus cultuassem o seu Deus único, Javé, em vez de celebrarem as várias divindades do panteão romano. Estando bom para ambas as partes, o equilíbrio de poder era mantido. "O problema é que apenas os romanos e uma elite sacerdotal judaica eram beneficiados", diz o professor André Chevitarese. "A maioria dos judeus tinha que trabalhar cada vez mais para sustentar essas duas classes."
Ninguém sabe ao certo até que ponto Jesus começou a sua pregação motivado por esse sentimento de injustiça social. Até mesmo porque a tentativa de retratá-lo como um revolucionário político (e não um líder espiritual) parece fazer pouco sentido considerando-se a época em que ele viveu. "Essa distinção de uma consciência política separada da espiritualidade é uma invenção dos pensadores ocidentais modernos, como Maquiavel", diz Chevitarese. "Para os movimentos apocalípticos de então, o modelo de sociedade perfeita é o Reino de Deus, algo que para essas pessoas estava prestes a se concretizar."
Os estudiosos dizem que há uma dificuldade natural de quem vive nas sociedades modernas de entender a verdadeira dimensão da palavra apocalipse na época de Jesus. "Algumas pessoas hoje entendem o apocalipse como um futuro distante, o fim dos tempos que chegará somente quando todos estiverem mortos", diz Paulo Nogueira, professor de Literatura do Cristianismo Primitivo da Universidade Metodista de São Paulo. "Na época de Jesus, os movimentos apocalípticos viam esse futuro como algo para daqui a alguns dias, quando o Reino dos Céus fosse se sobrepor ao Reino da Terra." Enfim, era preciso se preparar logo. Para os judeus pobres, estava claro que o tal reino terrestre prestes a ruir era aquele formado por Roma, pelos governantes locais e pela elite judaica representada pelo suntuoso Templo de Jerusalém. E o que as pessoas deveriam fazer para se preparar para o advento do novo reino? Um bom começo era ouvir as profecias de um dos mais conhecidos pregadores da época: João Batista. "Naquele tempo, a figura de João Batista era mais importante do que a de Jesus, que somente se tornou uma ameaça a Roma depois da crucificação", diz o historiador John Dominic Crossan. Depois de ouvir suas profecias, as pessoas podiam se preparar para a chegada da nova era submetendo-se a um ritual de imersão na água: o famoso batismo de João Batista. "Ao entrar e sair da água, as pessoas sentiam-se como se estivessem deixando para trás os pecados e renascendo purificadas para o novo reino de Deus", diz Nogueira. (Não é à toa que algumas igrejas até hoje só batizam o fiel quando ele já é adulto - e tem consciência da força do ato como marca da conversão.)
A maioria dos historiadores acredita que João Batista, de fato, deve ter batizado Jesus adulto. "Afinal, não deve ter sido fácil para os evangelistas explicar por que o messias foi batizado, já que, como enviado de Deus, ele é que devia batizar os outros", diz o historiador André Chevitarese. Mas ele explica que o evangelho logo "resolve" a polêmica ao narrar que, na hora do batismo, a pomba do Espírito Santo aparece sobre Jesus e João Batista diz que ele é que deveria ser batizado.
"As fontes que estão nos ajudando a compreender esses movimentos apocalípticos são os manuscritos do mar Morto", diz Paulo Nogueira. Descobertos em 1947, os manuscritos foram encontrados no convento de Qumran, uma espécie de condomínio de cavernas habitado pelos essênios, grupos de judeus que viviam como monges seguindo uma rígida disciplina de orações e uma dieta rigorosa (leia a reportagem "A doutrina do deserto", na Super de agosto de 2000). "Apesar de os manuscritos não revelarem nada diretamente sobre Jesus, eles mostram como os cultos apocalípticos já estavam disseminados nessa época", diz Nogueira. Há até quem defenda a hipótese de que Jesus tenha tido uma ligação direta com os essênios (confira o link
Jesus era essênio?).
Do que os crentes e céticos parecem não ter dúvida é que o batismo de João Batista foi um divisor de águas na vida de Jesus. A partir dali, ele teria se retirado para o deserto para depois dar início à trajetória de sermões e milagres que o levaria à condenação na cruz.

Paulo Braccini
enfim, é o que tem pra hoje...

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