Fabrício Carpi Nejar, poeta e jornalista, mestre em Literatura Brasileira pela UFRGS. Nasceu em Caxias do Sul (RS).
É autor dos livros:
As Solas do Sol (Bertrand Brasil, 1998), Um Terno de Pássaros ao Sul (Escrituras Editora, 2000, esgotado) (Bertrand Brasil, 3ª edição, 2008), objeto de referência nos The Book of the Year 2001 da Enciclopédia Britânica, Terceira Sede (Escrituras, 2001), Biografia de uma árvore(Escrituras, 2002), Caixa de Sapatos (Companhia das Letras, 2003), Porto Alegre e o dia em que a cidade fugiu de casa (Alaúde, 2004), Cinco Marias (Bertrand Brasil, 2004), Como no Céu e Livro de Visitas (Bertrand Brasil, 2005), O Amor Esquece de Começar (Bertrand Brasil, 2006), Filhote De Cruz Credo (A GIRAFA EDITORA, 2006), Meu filho, minha filha (Bertrand Brasil, 2007, Canalha! (Bertrand Brasil, 2008) e Diário de um Apaixonado: sintomas de um bem incurável (Mercuryo Jovem, 2008).
DECIDI ME ENTREVISTAR
Fabrício Carpinejar por Fabrício Carpinejar
NÃO SOU NICOLAS CAGE
A fama de canalha não é uma condenação perpétua?
Não tenho a confiança das pessoas, o máximo que recebo delas é esperança. Não é desgastante a necessidade de se provar todo momento? Vivo em total crise, um cansaço de praia depois de domingo. Uma confusão maior do que a confusão anterior me tranqüiliza. Não há como me organizar, resta-me confundir ainda mais para parecer tranqüilo o que foi antes. Seus filhos também não confiam em você? Não, por isso amo tanto eles e sofro diariamente o medo de perdê-los. Eles não duvidam do que sou por aquilo que já fui. Aos filhos, sempre estou sendo.
Não fere sua credibilidade ao se escancarar desse modo?
Não é que acredito em minhas mentiras. Eu moro perto da verdade para poder visitá-la. A verdade só recebe visitas, ninguém é capaz de morar nela. Mesmo um santo, mesmo um pobre-diabo. A verdade torna a convivência insuportável. Há pensamentos que nasceram para permanecer pensamentos. Não contá-los não significa traição à lealdade. Tomado da gula da franqueza e da sensação que poderia ser completamente transparente, partilhei muitos pensamentos à toa e me dei mal. Quem entendeu acreditava que estava acreditando naquilo. Pensamento é hipótese, não é uma crença. Existe uma mania de fixar ações e tendências onde reinava medos e inquietações. Até com Deus escondemos alguma coisa. Alguns escondem o próprio Deus.
Mas me obrigou a entrevistá-lo? Você não está perto do ridículo? Olha só: óculos grandes, unhas pintadas, cabelos desenhados, sempre chamando atenção.
É carência. Eu chamo atenção da minha ausência. Chamo atenção para aquilo que não sou. Eu me escondo demais. Poucos conhecem a minha vida. Para falar sinceramente, nem eu. E o ridículo é um escudo para não substituir a memória pela reputação.
Não provoca medo?
Um medo conhecido se torna respeito.
NÃO SOU JOHN MALKOVICH
Você fuma, dorme pouco, come mal, trabalha demais, não consegue negar um convite, faz todo o trabalho sozinho, por que o sacrifício? Inveja dos mártires?
Boa pergunta. Parece que meu corpo tem que penar para valorizá-lo. Sei o que incomoda, mas não procuro um médico. Obrigado a consultar um gastro, um oftalmologista, fazer bateria cardíaca, e nunca vou atrás. Guardo uma pilha na estante daqueles potinhos para urina. Não consigo regressar ao penico. A impressão é que sou um velocista reaprendendo a caminhar. Estou sempre em fisioterapia, recuperando-me de um acidente intelectual. Guardo uma idéia de superação. Sem superação, entendo que é fácil e não vale a pena. Uma mulher tem que sofrer muito para que eu confie nela. É doentio. Se me permitisse um psiquiatra, veria que sou um neurótico. Óbvio, um neurótico bem humorado.
Não é uma violência com quem ama?
Sem dúvida. É uma falha. Pensava que minha companhia deveria suportar a mesma violência e exigência que pratico comigo.
NÃO SOU WOODY ALLEN
De onde surgiu a noção de que pode controlar tudo?
Da infância. Falava errado e tive que escrever para me corrigir. Era feio e tive que seduzir. Era lento e tive que apressar os olhos para ganhar tempo. Era estranho e tive que me acostumar. Era tímido e tive que atacar. A vida só me ensinou superação. Faltei as demais aulas. Eu me enxergo bem pior do que realmente sou a ainda me acho otimista.
Se tivesse que enfrentar uma acareação de suas histórias com os pais e os irmãos, o que aconteceria?
Você descobriria que todos mentem para se defender. A literatura é um desejo verdadeiro num lugar falso. Cada um traria sua versão. Seria uma conversa de lunáticos. Isso não o incomoda, a falta de unanimidade do relato? Incomoda, sim, minha sobrevivência é não respeitar tanto o passado que criei para me proteger.
Como assim? Pode falar objetivamente?
Posso tentar. A tentativa me deixa mais humilde (o que não sou). O grande problema dos relacionamentos familiares - seja com irmãos, pais ou entre casais - é que estamos mais preocupados em adaptar o que vivemos do que escrever as páginas atuais. Voltar ao passado é alterá-lo, e chegamos ao ponto de não mais reconhecer a versão original. Procuramos alguém que não nos conheça para ter a chance de contar de novo a nossa vida de um jeito mais puro. Ninguém acredita em si, acreditamos tão-somente que o outro pode acreditar.
Não há nada de positivo em sua confusão incessante?
Sim, como sou alvo de desconfiança, ninguém se sente na obrigação de dizer a verdade. Sou uma espécie de férias do prefácio. Diferente de um consultório, em que parece que somos obrigados a descobrir o que nos incomoda, a não mentir, a não disfarçar, a apontar os problemas. É muita pressão conversar com o terapeuta. O divã não é nem sofá nem cama, sua indecisão é desconforto.
Nunca se arrependeu de expor um amor em seu texto?
Sim, várias vezes. A crônica é um espaço passional, e sou vingativo. Amo difamando. Não deveria escrever a crônica em que me separei da namorada, por exemplo. Fui leviano e sacrifiquei a leveza. E ela é tão essencial para mim. Não tentei compreendê-la, fui logo revidando o que estava em aberto, inconcluso. E um julgamento literário não tem apelação. A dignidade é frágil por isso temos unhas para segurá-la. Grande parte supõe que a unha é feita para arrebentar. Não sei empregar perfeitamente meu dom. Hei de aprender. O maior poder é também não usar o poder que se tem. O despoder é a verdadeira influência. Eu erro por uma mania de grandeza. A dor me induz a errar. Na dor, nos sentimos geniais. Na dor, vamos nos comparar a Shakespeare e Goethe. Ninguém se compara a um escritor mediano no sofrimento. O suicídio é a megalomania do sofrimento. Um excesso de vaidade da ferida. Tomo cuidado: a dor nos torna tão importante que julgamos que não há quem possa nos alcançar, nos amparar e nos traduzir. Conversar contigo me dá um cansaço. Eu lamento que não tenha um segundo corpo para ficar.
TAMPOUCO SOU CARPINEJAR
Paulo Braccini
enfim, é o que tem pra hoje...
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