O fundo das palavras

I.

de mim mesmo desdigo o ontem. o instante. o fundo das palavras. o imenso desdém do presente. a capa. o disfarce. a passagem para a luz.. desdigo tudo desde a lucidez à filosofia.i ncluo o sol. a cal. o vento. o uivo dos montes. o segredo dos cabelos. a experiência do efémero... e por teimosia acredito no mar. tranquilamente puro. circunscrito e definido nas linhas de um horizonte imaginário...

II.

só eu sei o que não sei. o que iludo. que recuso saber. que finjo. que não digo. que tento dizer. que omito dizendo. sussurros pálidos leves. bruscos, às vezes. mas sempre confusos... só eu sei que não sou o que tento ser parecendo que sou o que nunca fui e às vezes pensei que era... só eu sei o que sinto sinto pouco sinto muito nada é demais quando o fumo se aproxima de mim passos leves passos fundos passos doutras almas que me amaram e desabitaram. percursos cegos de morcego de pássaro sem asas garganta atropelada por sílabas de chumbo muros de pedra telhados de sombra avenidas de nogueiras. moinhos de papoulas desfolhadas gengivas cinzentas corpo retalhado olhar afastado estranho olhar de gato enfurecido... só ele sabe quem eu sou - a sombra da minha voz todos os meus antepassados foram bichos e mares escalaram os alpes construiram ninhos de aço beberam os vulcões fui amaldiçoado ao primeiro riso à primeira flor guardada. só eu sei que estou morto estando mais vivo que as cores azuis e verdes. sei que morri no útero de minha mãe e quando me deram de beber o leite era sangue o que eu sentia era cal e diamante era estátua de rodin era traço de carvão... todos se calaram quando eu nasci. todos me batizaram de homem mas só eu sei que não sou o que tanta gente sabe de mim...

III.

quem disse que os lábios eram puros? puros são os beijos que damos sem querer nos lábios que já esquecemos...

adaptado de isabel mendes ferreira in: um corpo (sub) exposto . blog piano

Paulo Braccini
enfim, é o que tem pra hoje...