domingo, 7 de novembro de 2021

Irracionalidade coletiva e inquisição digital: o caso Mauricio Souza e a Portaria 620 do MTP!



O título da coluna desta semana pode parecer desconexo, mas há uma interseção entre os temas mais debatidos nos últimos dias na área trabalhista: a dispensa do jogador de vôlei Maurício Souza e a publicação de portaria pelo Ministro do Trabalho e Previdência sobre vacinação obrigatória.

No caso do jogador, criou-se uma comoção pública pelo fato dele ter expressado, em perfil do Instagram, sua estranheza com a divulgação de que o atual Super-homem, filho do famoso Clark Kent, assumiu ser bissexual.

A opinião expressada revelaria um conteúdo supostamente homofóbico, como amplamente divulgado pela mídia e, para a maioria, justifica a dispensa do emprego e o fim da carreira na seleção brasileira, com violentas mensagens e declarações contra o jogador.

O procedimento tem se repetido em outras searas e com outros temas: alguém se expressa contra uma ordem de valores, a pauta ditada pelo "politicamente correto", e automaticamente se permite uma violência em grau superlativo sobre o tal agressor. Entra em cena a "inquisição digital", justificada pela defesa da minoria que necessita de uma proteção contra todo tipo de "intolerantes conservadores".

O que assusta, neste caso como em muitos outros, é a rapidez com que a turba permite uma violação a direitos fundamentais em função de um ser humano possuir uma determinada tábua de valores que hoje discrepam dos desejados por boa parte da população, geralmente autointitulada de "progressista".

Com isso, cria-se uma polarização que identifica grupos antagônicos e acirra os ânimos, gerando discórdia e mais incompreensão sobre temas tão delicados da vida humana, instalando um constante clima de desconfiança e medo que pode produzir uma falsa ideia de compreensão dos dilemas alheios, pois o melhor é simplesmente não emitir mais nenhuma opinião, fechando-se cada um em seu casulo e ignorando o outro, para evitar dissabores.

A forma de reação a crenças e valores discordantes através da violência coletiva demonstra como ainda somos primitivos e temos dificuldade de aceitar as diferenças. A inquisição digital nada mais é do que o novo apedrejamento público que há mais de dois mil anos serviu para uma das lições de amor do Cristianismo: "aquele que não tiver pecado atire a primeira pedra".

Progressistas, para usar o termo em voga, precisam compreender que jamais as pessoas serão totalmente iguais, que é direito de cada um possuir determinada compreensão sobre os temas que cercam a vivência humana e, quando se identifica uma manifestação entendida como errada, o emissor deve ser abraçado e acolhido, jamais apedrejado.

Qualquer reação violenta a uma violência simplesmente amplifica o mal que se pretende combater. Ao invés de cortar ou cancelar, que no plano das ideias equivale a um extermínio do antagônico, precisamos aprender a agir como pacificadores. Sofrida a agressão, primeiro vamos desculpar o agressor, compreender seus limites, esclarecer e trabalhar pacientemente para a transformação que desejamos, lembrando que o exemplo é uma pregação silenciosa.

Precisamos lembrar, ainda, que tudo que construímos coletivamente como sociedade no futuro poderá ser utilizado contra nós mesmos. Modificada a pauta de valores dominantes, e sabemos quão fluida pode ser a percepção do ser humano sobre toda ordem de questões, os que hoje cancelam também poderão ser cancelados. Um "olho por olho, dente por dente" moderno.

A pressão de patrocinadores para a dispensa do jogador Maurício Souza, a declaração do técnico da seleção de que não mais haveria sua convocação, o linchamento midiático reforçado pela turba digital, simplesmente não alcançam o grande objetivo preconizado: a mudança interior para aceitação de valores divergentes.

Ao invés de dispensar, acolher; ao invés de cortar, semear; ao invés de apedrejar, compreender. A estranheza do jogador é compartilhada por milhões de pessoas que foram criadas dentro de uma cultura onde não é normal histórias infantis abordarem temas sobre sexualidade, ainda mais quando dissonantes do modelo tradicional refletido por uma geração passada. Totalmente compreensível, portanto, sua manifestação, ainda que se possa dela discordar.

Paga-se, portanto, não pelo fato de exercer o direito de expressar uma opinião, mas por ser ela contrária a uma ordem imposta por quem defende os valores dominantes de determinada época e local.

Da mesma forma, a comunidade trabalhista se debate com a nova Portaria 620 do Ministério do Trabalho e Previdência, emitida em 1º/11/2021 pelo Ministro Onyx Lorenzoni, que fixou interpretação no sentido de não ser possível ao empregador exigir atestado de vacinação para manutenção ou obtenção de emprego, sob pena de se caracterizar discriminação.

O procedimento é o mesmo. Primeiro cria-se um jargão midiático para desconstrução do instrumento, atribuindo uma conotação negativa que impede qualquer tentativa de compreensão de seu conteúdo. Já se fala que a "porcaria", e não Portaria, não passa de mais um capítulo da política "negacionista" que vitimou cerca de 600 mil brasileiros.

Pronto, a fórmula para estabelecer que o politicamente correto é não concordar com a Portaria está montada. O próximo passo é a turba replicar nas redes sociais fazendo o apedrejamento do ministro, um emissário do mal que deve ser cancelado e exterminado. Mais do mesmo.

Novamente, os "progressistas" agem violentamente, impedindo qualquer tipo de compreensão e debate sobre a questão de fundo. Pior, neste caso, é o argumento da ilegitimidade da medida por seu conteúdo, pois tenho certeza absoluta de que, fosse a Portaria em sentido oposto, permitindo a exigência pelo empregador de vacinação obrigatória, a coletividade trabalhista estaria aplaudindo de pé, usando aquele instrumento para justificar seu entendimento.

Pouco importa, portanto, a questão técnica, o mérito da questão, o problema de fundo. Interessa, apenas, a imposição do valor que se entende correto em determinada época e local, através da eliminação do adversário.

A sistemática, portanto, revela a intolerância de quem se diz mais tolerante. A vontade exterminadora de quem prega uma modificação virtuosa já foi experimentada no passado, com graves consequências. Não é possível que sejamos ainda tão ignorantes a ponto de não conseguir produzir nada melhor coletivamente!

Quem hoje se entende como parte de uma minoria que sofreu com discriminação e intolerância jamais poderia replicar o modelo fazendo um revanchismo. Adotar violência para a própria defesa revela uma falta de amor próprio, de bem estar consigo mesmo, uma forma de obter um atestado para as próprias escolhas através da solidariedade de quem demonstra a mesma fragilidade.

A verdade é que pessoas felizes, bem resolvidas, conscientes de seus desejos e vontades, que age de acordo com sua pauta de valores, progressistas ou conservadores, estão acima de qualquer recurso violento, pois respeitam o outro e desejam sempre a pacificação.

A rigor, o que precisamos é colocar em prática o maior ensinamento de amor que já recebemos: "ame o seu próximo como a si mesmo". Se não, pelo menos "amar a si mesmo para não odiar o próximo".

Otavio Calvet

Bratz Elian
enfim! é o que tem pra hoje ...

16 comentários:

  1. Publicação intensa e profunda sobre fatos do dia a dia. Grato pela partilha.

    "" A rigor, o que precisamos é colocar em prática o maior ensinamento de amor que já recebemos: "ame o seu próximo como a si mesmo". Se não, pelo menos "amar a si mesmo para não odiar o próximo""

    Disse tudo.
    .
    Saudações poéticas … domingo de paz e amor.
    .
    Pensamentos e Devaneios Poéticos
    .

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    1. Verdade Ricardo. O afeto, o respeito, o amor deixaram de ser valores nos dias de hoje.

      Boa semana.

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  2. Gostei deste texto, muito pano para manga ;)

    Beijão

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    1. Haja pano para esta manga ... mas enfim, são os tempos dos progressistas ... fazer o que? À espera das luzes, quando esta corja estará sendo escorraçada em praça pública.

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  3. Excelente texto, amigo Paulo Roberto!
    Está muito difícil expor um comentário sobre qualquer assunto. A fúria é imediata por parte dos que discordam de sua opinião. Não há debate, não há conversa, há apenas ofensa gratuita e o ataque moral vindo de pessoas, geralmente covardes. E o discurso
    de ódio embasado na velha história “acuse-os daquilo que você faz e chame-os daquilo que você é”.

    Veja bem, no caso do atleta, a Fiat é a Gerdau resolveram condenar e perseguir o jogador Mauricio Souza imputando a ele crimes que ele nunca cometeu e utilizando essas falsas acusações como justificativa para pedir sua demissão.
    Não está fácil.
    Parabéns pela postagem.
    Beijo carinhoso.

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    1. Sua visão nesta reflexão está perfeita Maria Lucia. Comungo com ela de forma plena e absoluta. Tempos difíceis, complicados estes que vivemos, principalmente para nós que já temos uma bagagem histórica bem vivida.

      Dias melhores estão por vir ... acredito nisto ... nenhum ciclo é eterno ...

      Beijão

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    2. Sim, meu amigo, dias melhores virão. Grata pelo retorno às minhas palavras. Beijo.

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    3. Imagina! Sempre um prazer interagir com os amigos!

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  4. O respeito é uma via de mão dupla. Hoje em dia os haters querem ser os donos da verdade, não é mesmo? Nada pode ser resolvido por meio do ódio, mas do amor.

    Boa semana!


    Jovem Jornalista
    Instagram

    Até mais, Emerson Garcia

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    1. Com certeza meu caro Emerson ... De há muito que o ser humano perdeu esta perspectiva.

      Abraços

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  5. interesante lo quer escribe un saludo desde miami

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  6. Um texto muito bem escrito sobre temática discriminatória e que aponta para a necessidade de as pessoas estarem educadas (sensibilizadas) para realidades que não têm como não aceitar.
    Infelizmente, muitos mais casos semelhantes ocorrerão, sem previsibilidade que nos garanta quando tudo se aquietará.
    Abraço amigo.
    Juvenal Nunes

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    Respostas
    1. Verdade Juvenal! O ser humano tem a capacidade de complicar toda a simplicidade da vida. Tempos sombrios mas dias melhores haverão de ressurgir. Tudo é ciclo!

      Abraço.

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  7. Temos de respeitar, se queremos ser respeitados. Isso é facto. E vale tanto para um lado, como para o outro. Falta bom senso na maior parte destas pessoas, que se escondem por detrás de teclados e julgam os outros por tudo e por nada, né?

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então! obrigado pela visita e apareça mais, sempre teremos emoções para partilhar.

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