É quando as luzes brilham lá fora, nesta época do ano,
que cada um de nós, mesmo que por razões diversas,
pode se sentir um pouco como Quaquéo, na imaginação de Pirandello.
A escada pesa-lhe cada dia mais, e cada dia mais Quaquéo encontra dificuldade em trepar pelos já gastos degraus, com aquela perna mais curta que a outra.
Agora, quando já está nos últimos lampiões, nos becos mais íngremes, ao alto da colina, demora-se um bocado sobre a escada, como que debruçado, ou melhor, como que pendurado pelas axilas ao braço do lampião, com as mãos penduradas, a cabeça apoiada sobre um ombro; e, naquela postura de abandono, lá em cima, continua a meditar e a raciocinar consigo próprio.
Pensa em coisas tristes e estranhas.
Pensa, por exemplo, que as estrelas, por mais densas que sejam, certas noites, alargam-se, sim, e picam o céu, mas não chegam a iluminar a terra.
– Iluminação desperdiçada!
Mas que bela iluminação! E pensa que, uma noite, sonhou que cabia a ele acender toda aquela iluminação do céu, com uma escada de que não se via o fim, e que ele não sabia onde devesse apoiá-la, e cujas estacas lhe tremiam entre as mãos incapazes de suportar tamanho peso. E como faria para subir, ir para o alto, por aqueles infinitos degraus, até chegar às estrelas? Sonhos! Mas que angústia e que desnorteamento, no sonho!
Pensa que é mesmo triste aquela sua profissão, pelo menos para um acendedor de lampiões como ele, que já contraiu o péssimo hábito de raciocinar, ao acender os lampiões.
Mas será possível que também o ato material de produzir luz, onde há trevas, não desperte, com o tempo, mesmo no mais duro e escuro cérebro, certos lampejos de pensamento?
Quaquéo, certas noites, chegou até a pensar que ele, que faz a luz, faz também as sombras. Sim! Porque não se pode possuir uma coisa sem o seu contrário. Quem nasce morre. E a sombra é como a morte, que segue um corpo que caminha. Daí sua frase misteriosa, que parece uma ameaça gritada do alto da escada, no ato de acender o lampião, e que outra coisa não é senão a conclusão de um seu raciocinar.
– Espere aí, espere aí, que lhe prego a morte atrás!
Afinal, Quaquéo pensa que sua profissão possui uma certa importância de ordem superior porque repara uma falha da natureza, e que falta! Aquela da luz. Há pouco que falar: ele, para a sua aldeia, é o substituto do sol. São dois os substitutos: ele e a lua; e revezam-se. Quando há lua, ele descansa. E toda a importância de sua profissão surge manifesta naquelas noites em que a lua deveria estar presente e não está.
Como é belo ver, de longe, no meio das trevas da noite, aqui e acolá, alguma aldeia iluminada!
Quaquéo vê diversas, todas as noites, quando chega aos últimos lampiões do alto do morro, e queda-se a contemplá-los longamente, com as mãos pendidas do braço do lampião e a cabeça apoiada a um ombro, e suspira.
Sim, aquelas pequenas luzes, lá embaixo, qual uma multidão de vaga-lumes em congresso, clareiam penosamente e permanecem a noite inteira a velar, no lúgubre silêncio, ruelas sujas e íngremes e tocas de miséria, talvez piores do que aquelas de sua aldeia; mas é certo que, de longe, produzem uma bela vista, e expandem um suave e melancólico conforto no meio de tanta treva. Passa de tanto em tanto alguma rajada de vento, e todas aquelas luzinhas, lá agrupadas, hesitam e parece que elas também suspiram.
E, ao vê-las assim longe, fazem-no pensa que os pobres homens, perdidos como se encontram pela Terra, entre as trevas, estão reunidos, aqui e acolá, para dar-se um mútuo conforto e auxílio entre si; ao invés, nada disso, não é assim: se uma casa surge em um lugar, outra não aparece ali perto qual uma boa irmã, mas ali se estabelece qual uma inimiga, pode tirar-lhe a vista e o respiro; e os homens não se reúnem aqui e ali para viverem em companhia, mas se acampam uns contra os outros para se guerrearem. Ah, ele, Quaquéo, conhece bem essas coisas! E dentro de cada casa há guerra, entre aqueles mesmos que deveriam amar-se, e estar de acordo para se defenderem dos demais. Não é talvez sua esposa sua mais acérrima inimiga?
E se Quaquéo bebe, bebe por isso; bebe para não pensar em certas coisas, que o faziam desleixar-se dessas obrigações, de que se acha tão profundamente compenetrado. Mas é verdade que, afinal, todos nós temos tantas outras que não desejaríamos ter. Não desejaríamos tê-las, mas temo-las.
– Eh, rato velho!
Quaquéo dirige-se a um morcego. Chama-o de rato velho, porque se trata de um rato que criou asas. Outras vezes, dirige-se a algum gato que desliza rente ao muro e pára de repente, encolhido e oblíquo, a mirá-lo, ou a algum cachorro vagabundo e melancólico, que se põe a segui-lo de um lampião a outro, pelos altos becos desertos, e se deita à frente, debaixo de cada lampião, esperando que o acenda.
Trecho de“Certas Obrigações“. Luigi Pirandello
ps: Viajando para São Paulo onde passarei e comemorarei meu aniversário, o Natal e a chegada do Ano Novo. Estarei muito bem acompanhado e isto é bom.
Volto logo para o convívio com vocês.
Feliz Natal e um 2016 pleno.
enfim! é o que tem pra hoje ...
Que texto lindo!
ResponderExcluirO que está por trás das janelas iluminadas das casas?
E das janelas escuras da alma?
Feliz natal, boa viagem!
Muito obrigado Ana ... para você e todos aí é o mesmo o meu desejo.
ExcluirBeijão
Num mundo de trevas, só quem está munido de um lampião consegue ver mais além. Que se faça luz!
ResponderExcluirUma boca viagem, meu amigo, e que esse Natal e esse aniversário sejam muitíssimo bem passados. Mas ainda teremos tempo para os votos. :)
um abraço!
Com certeza me caro Mark. Que se faça a luz!
ExcluirAbração.
Sempre o bom gosto literário!
ResponderExcluirFeliz Natal para vocês dois
Obrigado queridão, felicidades em dobro é o que desejo a você e a todos por aí em 2016.
ExcluirTodos nós precisamos de luz e eu bem que preciso de um das boas!
ResponderExcluirUmas boas festas e que o regresso seja feito em grande :-)
Abraço,
Obrigado amigo e bom Natal e um 2016 repleto de coisas a boas a você e a todos aí ...
ExcluirVotos de umas excelentes férias, bom aniversário e que passes o Natal na companhia das pessoas que mais amas! é isso que faz vibrar a luz em nossos corações. :)
ResponderExcluirQue 2016 te traga muita Saúde, prosperidade, amor, e a concretização de todos os teus sonhos bons :)
Obrigado querido e muitas felicidades a todos aí também.
ExcluirBeijão
Belíssimo texto!!! Que 2016 possa encontrá-los com muita alegria e felicidade!
ResponderExcluirGrande abraço.
Obrigado amigo! Que 2016 realmente seja auspicioso para todos nós.
ExcluirBeijão e obrigado por mais este ano de carinho e atenção.
Feliz Natal querido, com certeza serás luz aos que tiverem ao seu lado!
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