segunda-feira, 1 de outubro de 2012

A Igreja Como ela é - Ela e Eles





Inspirado na Obra de Nelson Rodrigues, conto aqui histórias que deveriam ser mentirosas, mas não são. 

De um grande amigo blogueiro Eraldo Paulino em Eraldo e suas Paulinisses.

Era a missa de casamento dela com ele. Ele, o noivo, estava no altar todo contente. De certa forma, aquele momento era uma espécie de troféu para quatro anos tentando conquistar aquela moça linda que, apesar de sempre ter sido solteira e demonstrar carinho por ele, jamais quis namorar. Mas ele conseguiu finalmente emplacar o namoro depois do primeiro e inacreditável beijo. Menos de duas semanas depois disso já estava noivo. Passado um mês, lá estava ele. No altar. Orgulhoso de si próprio. Um vencedor. 
Diante do noivo, ele: o padre. Como era o único presbítero daquele lugarejo, não havia outro a não ser ele para celebrar aquele matrimônio. Claro que havia alguns fofoqueiros que só estavam naquela igreja pra procurar defeitos, é verdade, mas todo mundo aparentava felicidade. Menos o padre. “O que o senhor tem? Está passando mal?”, perguntou uma madrinha do altar, pouco antes da cerimônia começar. O padre, sempre faceiro, estava muito sério. “Senti uma pontada no coração, mas não se preocupe. Vai me fazer bem celebrar, tenho certeza”, respondeu já se saindo para a sacristia para vestir a batina. 
Ao lado dele, o noivo, e um pouco abaixo dele, o padre, estava ela, a noiva. Ela não chorava. Não sorria. Estava séria. Prestando bem atenção ao que o padre falava. A cerimônia seguiu normalmente. À medida que o tempo passava, o rosto dela ia mudando, demonstrando de passividade à raiva. Ele, o noivo, não notava. Estava muito feliz. Ele, o padre, parecia olhar pra tudo menos ao rosto dela. Conforme o rito já conhecido, ele jurou fidelidade a ela na tristeza, na doença e nas outras coisas. Depois do “aceito”, dele, o noivo, foi a vez dele, o padre, perguntar a ela, que antes de responder puxou uma arma debaixo do vestido. 
... 
Era uma tarde quente da Amazônia quando finalmente o novo padre chegara ao vilarejo. Recém-ordenado, ele foi visitar a casa da coordenadora da comunidade, que se orgulhava do fato de que todos os cinco filhos, quatro homens e uma mulher, eram lideranças da igreja. Antes mesmo que o presbítero chegasse, ele já havia se comprometido de ir primeiro a casa dela e depois ir à igreja, tamanha era a moral da coordenadora. Os filhos na mesa batiam papo com o sacerdote. A filha ajudava a servir. Foi nesse momento que um olhou para o outro. E ninguém viu quando ele chegou perto dela na cozinha, com o coração palpitante, e sussurrou ao ouvido dela que ela era linda. Ela não fez cara de espanto, ou de irritação. Ela sorriu. E ele teve as boas vindas que queria. 
... 
Ela sentia dor. “Quer que eu pare?”, perguntou ele, todo preocupado. “Pode vir, mas vem devagar, por favor. Não tenho a experiência que você tem”, respondia ela, que era virgem, a ele, o padre. Antes disso, ele já tinha dito que sabia que aquilo não era certo, mas ele estava apaixonado, por isso não conseguia ficar longe dela. Ela disse pra mãe que iria à capital. Ele disse à comunidade que iria a um retiro. Encontraram-se numa cidade a 100 km dali. Local que seria ponto de encontro semanal dos dois a partir de então. 
... 
Ele, o pretendente, era muito querido por ela, a coordenadora da comunidade. Ela queria que a filha casasse com ele. Posses. Trabalhador. Família boa. Partido melhor não podia ter. Ela não o maltratava por causa da mãe, mas achava ele um babaca. Chegava lá falando de como fez pra comprar o carro novo, como era linda a fazenda, como era viajar de jatinho. Mais tarde, depois que ele ia embora da casa, ela costumava entrar pelos fundos da casa paroquial, e levar tapas na cara, puxadas de cabelo, mordidas no cangote e gritar “Ai meu Deus” involuntariamente enquanto gozava. 
... 
A menstruação atrasou. De repente ela viu a chance de finalmente ficar com o ele, o padre. “Eu não posso assumir esse filho! Sou filho único e minha mãe não aguentaria tanto desgosto”, inventou a melhor desculpa que pôde. Durante duas semanas ela tentou convencê-lo de que poderiam ser felizes, e ele já não conseguia mais ter criatividade para desculpas. Até que ela resolveu tomar uma medida desesperada. Aceitou namorar com o panaca do pretendente, e aceitou casar, desde que fosse logo. Ela arranjou tudo para que o padre não tivesse tempo de fugir ou arrumar outro para presidir a celebração. Ela não queria esconder o filho ou coisa parecida, queria que o sacerdote sentisse ciúme. Ela queria que ele falasse a qualquer momento pra parar com aquilo. 
... 
Com a arma na mão, ela disse pra ele confessar que a amava. A igreja toda gritando, a velharada correndo, gente desmaiando, o noivo se mijando, e o padre lá, covarde que era, fingindo não entender o que acontecia. Aliviava o coração do presbítero saber que ele ao menos morreria ali, sem ter que conviver com aquela culpa. Diante do silêncio dele, o padre, e das calças mijadas dele, o noivo, o tiro. Seco. Escorreram do padre, as lágrimas. Do noivo, mais mijo. Pelo vestido, o sangue. Com um só tiro, duas vidas se perderam. 


Bratz Elian
enfim! é o que tem pra hoje ...

29 comentários:

  1. "Histórias que deveriam ser mentirosas, mas não são".
    Concordo!

    Na minha cidade natal, chegou um padre baiano, e não passou muito tempo, cidade pequena, logo um boato se espalhou.
    Uma moça, filha de família tradicional, católica por demais, estava se encontrando às escondidas com o padre.
    Resumindo, engravidou.
    Ele foi transferido pra uma cidadezinha da Bahia e ela ficou ali com o filho na barriga.
    Hoje o menino já se tornou um homem e até pai já é.
    Moral da história, o padre já é avô.
    #Fato

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    1. Histórias como esta existem milhares né Majoli? No entanto a hipocrisia impera por lá ...

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  2. Adorei a história, trágica, mas envolvente.

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    1. E Eraldo manda muito bem com as palavras ... eu aprecio muito ... parabéns a ele ...

      bjão

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  3. A la Nelson Rodrigues mesmo, trágico, mais ainda é como existe pelo mundo afora. Por isso estou me denominando Atoa, sem igreja e ou religião, vemos isso no dia a dia na igreja católica ou nas igrejas evangélicas ou nas matrizes africanas.
    Abraço

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  4. Mais Nelson Rodrigues impossível... hehehe! Muito bom o texto! E vou adorar teus anúncios anos 60... pode mandar! Bjos!

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  5. Aqui na minha cidade também tem filhos de padre. Outro dias mesmo, apareceu um, depois que o padre morreu. Herdou uma fortuna...era filho de uma professora do colégio de freiras... e nunca soube quem era o pai..até a pouco.

    Mas me lembrei de um livro que tínhamos de ler no ensino médio... talvez você conheça: " O Seminarista "..o padre fica louco, encomendando a alma da amada... Bom o livro...rsrrsr

    Beijos Paulo.... gostei do conto.

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    1. Sim Margot, também conheço histórias reais por aqui ... o Seminarista eu tb li ... bons tempos de colégio ... ai ai ... rs

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  6. Eu já soube de cada caso envolvendo padres! Teve um que largou tudo pra ficar com um rapaz da paróquia. Tadinho, a família do moço fez o maior auê!

    Beijos.

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    1. Eita Lucas! Danadinho este eim? eu conheci pessoalmente um q foi morto por um garoto de programa pq ele não quis pagar um cachaça com coca cola pra ele ... além de burro era pão duro ... OMG!

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  7. Que mal lhe pergunte, esse causo aconteceu em Minas? (kkkkk) Mas, falando sério, a narrativa tá bem Nelson Rodrigues mesmo. E por falar em Nelson, precisa ver o livro do Rafael (Baú do Jamal)! É de uma "nelsice" que dá medo! Coisa mais linda!

    Beijos.

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    1. kkkkkkkkkk ... not embora existam muitos por aqui assim ... Qto ao livro do Rafael eu tenho e será o próximo de minha lista por ler ... estou terminando o Cinquenta Tons mais Escuros e vem ele depois ... pondo em dia meus livros q estavam aqui na estante pegando poeira ...

      bjão

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  8. Ahhhh,lembrei de um livro que li qdo era adolescente,chamava-se Pàssaros Feridos, a autora era uma tal de Colleen Mc Culough,se não me falha a memória, e contava a história de um padre lindo e sexy(Ralph de Bricassar!!!)que se apaixona por uma garota, o romance proibido deles virou até um filme com o Richard Chamberlain como protagonista..por acaso,vc leu o livro ou viu esse filme??? Era meio meloso mas era lindo...

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    1. Putz ... eu li e vi o filme ... primeiro em série no SBT e depois em VHS ... meloso sim mas uma delícia mesmo ...

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  9. É que "anões" são parte do meu povo... hahahahaha! Gracias pelos links, bebê! Farei bom uso deles! Bjão!

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  10. Que final tragedia .....

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  11. Gente, que tenso!
    Adorei! ahahah
    Beijo!!

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  12. Os seres humanos, como eles são, né?

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    1. Com certeza ser humano tal e qual ele é ... o q me impressiona é a hipocrisia de alguns ... no caso dos ditos religiosos ...

      bjão

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  13. Ah, Braccininho... eu DJUREI que tu ia vibrar com a Maysa Abusada... hahahahahahaha! BjAs!

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  14. Eu até pensei em passar batido nesse te teu post, mas Kardecista que sou acho que NADA acontece sem nosso consentimento, ainda que nessa vida não saibamos. Bjo!

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então! obrigado pela visita e apareça mais, sempre teremos emoções para partilhar.

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